sexta-feira, 13 de junho de 2008

SOB OLHOS FEMININOS

Mulheres cotidianas e mulheres da corte. Elas tiveram sim, importante papel à época de Dom João VI. Em se tratando dos ambientes luxuosos, além de Carlota Joaquina, a corte foi freqüentada por mulheres nobres, cientistas, diplomatas, viajantes. Afora da riqueza, simples aventureiras, vieram para o Brasil. Relatos sobre todas elas são hoje documentos preciosos para a história brasileira. No começo do século XIX, o país era o último grande pedaço habitado do planeta ainda inexplorado pelos europeus que não fossem portugueses. Até então mantida fechada e isolada do restante do mundo, a antiga colônia era, aos olhos dos estrangeiros, um território misterioso e repleto de lendas sobre índios canibais, natureza exótica e imensos tesouros no subsolo. A chegada da corte e a abertura dos portos mudaram esse cenário e produziram uma invasão estrangeira como jamais se tinha visto.

HISTÓRIAS DE DUAS ESTRANGEIRAS NO BRASIL DO INÍCIO DO SÉCULO XIX

Em 1817, Rose Marie de Freycinet tinha 25 anos e era casada com o naturalista e oficial da marinha francesa Luis Claude de Soulces de Freycinet. Por essa época soube que o marido acabara de receber o comando de uma missão que o manteria dois anos distante do lar. No comando da corveta Uranie, Luis Claude daria a volta ao mundo conduzindo uma missão científica que tinha o objetivo de explorar a América do Sul, as ilhas do Pacífico Sul, a Índia e a costa da África. Rose Marie, triste e assustada com a notícia, tomou uma atitude no mínimo corajosa: cortou os cabelos, enfaixou os seios e, disfarçada de homem, embarcou clandestinamente no navio na véspera da partida. Na época, a presença de mulheres era proibida nas embarcações da marinha francesa. Rose Marie correria o risco de ser presa e deportada de volta para casa no primeiro porto, no entanto, com sorte, tudo correu muito bem para ela. No dia seguinte, já em alto-mar, ela se apresentou ao marido que, sem alternativa, reuniu os oficiais e comunicou que a esposa estava a bordo. Em vez de puni-la, todos a cumprimentaram e deram as boas-vindas. Rose Marie e Luis Claude chegaram ao Rio de Janeiro em dezembro do mesmo ano. Ela constatou a beleza do Brasil, mas também realizou anotações de profunda crítica:“Pena que um país tão lindo não seja colonizado por uma nação ativa e inteligente”, escreveu, referindo-se a Portugal. “Os brasileiros se destacam pela abundância, mais do que pela elegância do serviço”, anotou num outro trecho.

A inglesa Maria Graham também visitou o Brasil em companhia do marido em um navio da marinha, mas, no seu caso, a viagem terminou em tragédia. Chegou, em 1821, na fragata Doris, comandada pelo marido, o capitão Thomas Graham. Esteve em Olinda, Recife, Salvador e aportou ao Rio de Janeiro pouco depois do retorno da corte portuguesa a Lisboa, a tempo de testemunhar o famoso Dia do Fico (9 de janeiro de 1822), em que d. Pedro, então príncipe regente, decidiu permanecer no Brasil, recusando-se a acatar as ordens das cortes portuguesas para que retornasse a Lisboa. Do Brasil, o casal seguiu para o Chile, mas o capitão Graham morreu logo depois de cruzar o Estreito de Magalhães. Viúva aos 36 anos, Maria continuou sozinha até Santiago, onde testemunhou também a independência do Chile. Depois retornou ao Brasil, onde foi tutora dos filhos de D. João I e da princesa Leopoldina. Seus relatos sobre o Brasil, publicados em 1824 sob o título “Journal of a voyage to Brazil, and residence there, during parts of the years 1821, 1822 e 1823”, são considerados pelos historiadores documentos de valor inestimável.

MODA A LA DOM JOÃO – A expressão do espírito e das aspirações das mulheres do Brasil de Dom João VI através da indumentária.


A exposição “Mulheres Reais – Modas e Modos no Rio de Dom João VI”, inaugurada no dia 27 de maio, estará até o dia 06 de julho apresentando ricamente informações sobre a indumentária das mulheres brasileiras no período em que a Família Real esteve no Brasil, e seus usos, como uma importante manifestação cultural e social do Rio de Janeiro, enquanto a cidade foi capital do império português. Os trajes e acessórios estão sendo expostos em 900m² cobertos com tecido na belíssima Casa-França -Brasil – primeira alfândega do Rio projetada por Grandjean de Montigny, integrante da Missão Artística Francesa acolhida por D. João VI, que incitou muitas transformações culturais, políticas e econômicas na cidade do Rio de Janeiro e no país. Adiante abordaremos com mais intensidade a Missão Artística Francesa.
Trajes e acessórios originais do Museu Nacional do Traje de Lisboa, do Museo del Traje de Madrid e do Wien Museum - Mode Depot de Viena, e jóias de escravas do acervo do Museu Costa Pinto de Salvador integram o conteúdo museológico e representativo da exposição, mostrando e exaltando as diferenças de negras e brancas de dois séculos atrás que compõe hoje a mulher brasileira. Os figurinos e recriações, um permitem descobrir as mulheres reais, transcendendo o estereótipo e a anedota, venerando a riqueza, descobrindo as angústias das mulheres do período.
É importantíssimo ressaltar que as mulheres reais não são apenas as da realeza - rainhas da Casa de Bragança-, mas também aquelas que ajudaram a construir hábitos e costumes da sociedade urbana carioca em formação no período joanino, tanto as mulheres de colonos protegidas por suas mantilhas, quanto as africanas escravizadas – despojadas e sensualmente vestidas, únicas a circularem livremente pelas ruas e praças do pacato, prudente e pudoroso povoado coloni
al.
Na exposição tam
bém foi feita a recriação das modas e dos modos das mulheres através de figurinos de D. Maria I, Carlota Joaquina e D. Leopoldina, o que permitiu uma aproximação da verdadeira aparência dessas mulheres, muito diferente das representações caricaturais. A exposição enaltece o íntimo de cada uma delas para revelar a Maria, que não foi apenas piedosa e louca, a Carlota, que está além da feiúra e da intriga, e a Leopoldina, que não se limitou ao papel de mulher-mártir.
As relações femininas com o poder também são desveladas em três mulheres que governam, D. Maria I, Carlota Joaquina e D. Leopoldina. Os figurinos inspirados nos retratos oficiais dessas rainhas constituem a narrativa da passagem do Antigo Regime para o Império, e proporcionam a percepção das mudanças políticas e econômicas na cultura e nas transformações da moda – o aparato dos trajes monárquicos, fortemente marcados pelo barroco, dão lugar às linhas simplificadas do neoclássico.
Protagonistas da construção da realidade social cotidiana durante a permanência da corte portuguesa no Rio de Janeiro, as mulheres do dia-a-dia são reveladas na diversidade dos trajes e trejeitos expressos na criatividade das curadoras da exposição, a escritora Cláudia Fares e a figurinista Emília Duncan, que resgatam, inclusive, a influência das cores das obras de Debret no universo feminino contemporâneo.

As mulheres da realeza e as mulheres da realidade são diferentes nas modas e nos modos, mas guardam nas suas histórias uma mesma identidade. Ricas ou pobres, escravas ou esposas de colonos, brancas ou negras, rainhas ou trabalhadoras, todas, sem exceção, tiveram que deixar seus territórios físicos e simbólicos e reconstruir no Brasil suas identidades, suas histórias, reinventando a cultura carioca e brasileira.

A exposição oferece a oportunidade de nos perguntarmos: quantas mulheres de Debret ainda percorrem as nossas ruas?

A RELEITURA E ADAPTAÇÃO DOS TEXTOS FORAM FEITAS PELA ALUNA GEORGIA

2 comentários:

Fabiano Marçal disse...

Orbigado por utilizar o nosso portal como base de consulta. Estejam sempre à vontade para pesquisar! (Fabiano Marçal)

Antonio Carlos disse...

Excelente texto. Mas façam referência sobre sua fonte de origem, caso os internautas queiram saber de mais detalhes, e também como homenagem aos autores que muito pesquisaram o nosso passado, de cujo conhecimento tanto necessitamos.